André Roca

Separar sete coisas que aprendi não foi fácil. Afinal, aprendi muito estudando (e tentando fazer) literatura, em especial nos últimos dois anos durante o mestrado em Escrita Criativa da PUCRS, e a cada dia sinto que daria para ampliar essa lista abaixo até gastar as teclas do computador. Mas eis aqui a minha contribuição para esse projeto incrível, ao qual agradeço demais o convite:

{ 1 } Planeje.

Uma quantidade razoável de escritores que respeito afirma não planejar o que escrevem. Simplesmente sentam e deixam fluir a imaginação, os sentimentos, as dores. Durante boa parte do trajeto, não sabem no que vai dar a escrita, esse caminho obscuro que vai se revelando a eles passo a passo. Apenas sentem a força de personagens e da trama agindo na medida em que esses passam a existir.

Sempre que posso, no entanto, pergunto a eles o que dá mais trabalho, se a escrita ou a edição? E a resposta costuma ser a mesma: a edição. Ou seja: em muitos casos, organizar algo que não tem uma organicidade inata torna-se mais difícil e, por vezes, pesaroso.

No meu caso, costumava ser assim também. Mas aprendi com o mestre Luiz Antonio de Assis Brasil que o planejamento pode e deve ser nosso grande aliado, e que planejar, de forma alguma, significa abrir mão da criatividade. É ela que o guiará nessa etapa também. Planejar significa ganhar tempo, evitando demorados processos de reescrita ou de edição – esses não somem, mas tornam-se menos árduos quando sabemos o que queremos antes de iniciar o labor.

Achei mais fácil resolver problemas do texto quando passei a ter em mãos o mapa daquilo que pretendia fazer. Planejar uma obra NÃO tira dela o status de arte. O trabalho artístico e o planejamento caminham lado a lado. Afinal, arte sem ciência nada é.

{ 2 } Não lembre, resgate.

Uma dica simples: tente não evocar a todo instante o passado do personagem utilizando expressões como “lembrei-me” ou “recordei-me”. Prefira preencher o texto com descrições, com sentidos e sentimentos, de modo a tornar o flashback algo sutil e agradável ao leitor.

Para ser mais claro, e roubando aqui mais uma vez os ensinamentos do mestre Assis Brasil, “memória não é lembrar fatos passados, mas evocar sensações já percebidas em termos de formas, texturas, cores, cheiros etc. E imaginação é retirar esses elementos estocados em nossa memória e com eles criar coisas novas”.

{ 3 } Domine seu assunto e prefira o específico.

O escritor precisa conhecer tudo a respeito do que vai escrever, ainda que coloque em seu texto menos de 10% do que apreendeu com sua pesquisa.

Durante passagem por Porto Alegre em outubro de 2016, o britânico Ian McEwan contou que ficou dois anos acompanhando um neurocirurgião para escrever Sábado (2005). Para o autor, se não fosse capaz de descrever a rotina e os procedimentos do médico (seu personagem era um neurologista), não teria o direito de escrever sobre o assunto.

Dizer apenas que o médico usou um bisturi e abriu a cabeça de alguém durante uma cirurgia pode ser tão simplório quanto errado. O que precisa ser feito antes, durante e depois? Como é a luz, o peso dos instrumentos e o som que eles fazem na sala de cirurgia? McEwan sabia.

Se dominarmos o assunto, seremos capazes de criar uma imagem consistente. Assim, entregaremos ao leitor um texto mais completo de sentido e o instigaremos a seguir adiante atrás de mais. O conhecimento torna o texto mais forte e verdadeiro e, ainda que não nos impeça de cometer algum erro, deixa-nos sempre mais próximo daquilo que deveria ser.

{ 4 } Seja claro.

Por vezes somos tomados por um desejo de esconder o máximo possível de informações do leitor. Assim, quem sabe, tornamos o final ainda mais surpreendente e deixaremos lacunas que serão discutidas pelos críticos durante a eternidade. Bom, a não ser em alguns casos geniais, esse pode ser um tiro no pé. Citando mais uma vez o mestre Assis Brasil: nenhum texto jamais perdeu por ser claro.

Quando lemos (ou assistimos a um filme), queremos compreender o que está acontecendo. A surpresa não está atrelada à falta de clareza. Ser claro não significa entregar todo o ouro. Mas não adianta nada uma cena ser surpreendente se ela o é apenas em nossas cabeças.

{ 5 } Não se preocupe com a originalidade.

Parece absurdo, mas calma! Ocorre que a nós, reles escritores do século 21, sobrou um jeito diferente de sermos originais. Com raras exceções, pois gênios aparecerão em todas as épocas, “criar algo completamente novo é a ambição de um tolo”, conforme bem observa o professor Bernardo Moraes no livro A escrita criativa: pensar e escrever literatura (2012, p. 53).

Então como ter um pingo de originalidade? Bom, o próprio Bernardo nos traz um alento: “O conceito de originalidade transformou-se: de algo novo que brilha em meio ao nada para algo velho que brilha entre muitas coisas. Mas como ser original se a originalidade não existe mais? Originalidade é mais do que uma criação: é uma reorganização. Uma coisa nova feita a partir de muitas coisas velhas, reorganizadas de um modo que não tenha sido feito antes”.

Compreenda: já se escreveu sobre tudo e os conflitos universais, inerentes à alma, já foram explorados de maneiras tão diversificadas quanto originais. Ainda assim, a originalidade é um peso que não precisamos carregar se entendermos que sempre seremos originais a nossa maneira, já que ninguém fará igual a nós, assim como nós não repetiremos exatamente do mesmo jeito tudo que já foi feito. É no processo íntimo de reorganização do mundo a nossa volta que encontraremos a nossa originalidade.

{ 6 } Leia seus contemporâneos.

Tenho um desejo profundo de conhecer todos os clássicos que ainda não li. Quero identificar neles as características que me fazem amar a literatura. Quero ver onde estão os acertos, onde há deslizes. Quero entender porque são obras-primas.

Nos últimos anos, porém, aprendi que um escritor precisa se desprender desse universo e ampliar seu horizonte com a leitura dos contemporâneos. Faz bem ser contaminado por nossos pares. É neles que identificaremos as luzes e as trevas do nosso tempo. É com eles que nos sentiremos parte de uma família literária.

Há mais de cem anos Virginia Woolf escreveu sobre a eterna dificuldade de enxergarmos em nossos contemporâneos as mesmas virtudes que vemos nos mortos: “Que os historiadores da literatura decidam; que eles digam se estamos agora no começo ou no fim ou no centro de um importante período da prosa de ficção, pois daqui da planície pouco se vislumbra” (2007, p.71). Mas ela não deixava de lê-los, pelo contrário.

Enfim, podemos até rechaçar alguns (inocentemente?). Podemos exaltar outros (inocentemente?). Mas, por certo, aprenderemos sobre a arte da escrita com todos.

{ 7 } Escrever é um ofício que se aprende.

Como em qualquer ofício, há uma técnica por trás da escrita. E como ocorre com qualquer técnica, há formas de dominá-la.

É claro que existem autodidatas. E existem gênios. Mas a maioria de nós precisa de trabalho duro. E para isso existem oficinas literárias. Ao contrário do que muitos pensam, oficinas não servem para pasteurizar escritores. Elas servem para que se aprimorem técnicas através de exercícios e de troca de experiências.

O talento, sim, é algo individual. E talvez o talento de alguém acima da média até prescinda a técnica. De qualquer forma, em nada o domínio da técnica prejudica isso. Uma vez consciente do que pode ser feito, nos resta transgredir o sistema para encontrar o nosso estilo – estilo, já disse Capote, é aquilo que nós acreditamos que temos.

Por fim, acredito que estamos sempre aprendendo. Cada experiência e cada reflexão é um ato de aprendizagem. O que somos agora só pode ser definido se olharmos para o nosso passado e para o quanto aprendemos até aqui. Hoje, esses são os sete pontos que achei por bem destacar. Em alguns meses ou anos, pode ser que a lista seja completamente diferente.

Não significa que esses tenham sido ensinamentos descartáveis. Significará que há outros elementos a preencherem minhas preocupações a respeito do fazer literário no momento.

No final das contas, o melhor conselho é: encontre o seu caminho. O que serviu para um pode não servir para outro. Se ajudar de alguma forma, fantástico! Apenas não perca tempo. Hemingway uma vez disse que “se você perde tempo, comete um pecado para o qual não existe perdão”.

Então, ande logo: escreva!

André Luís Nunes Roca é natural de Porto Alegre (RS). Como jornalista, trabalhou nas redações de clicRBS, Zero Hora e Terra. Também é formado em Letras e está concluindo o mestrado em Escrita Criativa na PUCRS. Em 2016, foi um dos autores publicados na coletânea de contos Onisciente Contemporâneo, resultado de um ano de participação na oficina literária do escritor e professor Luiz Antonio de Assis Brasil. Tem alguns contos publicados em revistas literárias e nas antologias Translações Singulares e Não Culpe o Narrador.

Contribuição originalmente publicada no site Escriba Encapuzado

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