Roberto Denser

{ 1 } Observação.

Todo escritor precisa ser, antes, um bom observador. É importante saber observar não apenas a si mesmo, mas também a tudo que o cerca (outras pessoas, lugares, situações). É com essas observações que o escritor irá construir ou desenvolver muito de sua obra, sobretudo no que diz respeito aos personagens, cenários, situações etc.

{ 2 } Paciência.

Ninguém acorda um belo dia — “ou não tão belo assim” (ver Bolaño) —, senta-se diante de seu processador de textos e escreve Guerra e Paz. Escrever é uma atividade que requer paciência, trabalho duro, persistência.

Leva tempo até a construção de uma grande obra. Alguns escritores passam anos trabalhando num único livro, polindo e lapidando o seu texto, que mesmo com todo esse trabalho corre o risco inclusive de sequer ser publicado. Alguns escritores são ansiosos, apressados, impacientes. O tempo me ensinou que esses são os piores defeitos que um escritor pode ter.

{ 3 } Ouvido.

O ofício do escritor me ensinou a ouvir melhor. Não apenas as pessoas, mas também o texto, a sonoridade das palavras, o ritmo narrativo. Muitos escritores ignoram o próprio ouvido no processo de escrita, e isso se torna visível em seus textos. Como reconhecê-los? Pelo ritmo travado de sua prosa, ou mesmo pelos péssimos diálogos, que geralmente dividem-se em superficiais, artificiais, e travados.

{ 4 } A ser um leitor mais atento.

Um escritor é, antes de tudo, um leitor. Para escrever bem é preciso ler muito, ler de tudo e de forma atenta, como um escritor (ver Francine Prose). É preciso ler inclusive livros ruins (acreditem: eles têm tanto ou mais a nos ensinar quanto os livros bons) ou de gêneros diferentes do qual você escreve. Outros escritores vieram antes de você, muitos deles escreveram obras que jamais serão superadas, é quase um dever conhecê-los, aprender com eles.

Além disso, nunca se sabe onde você vai encontrar aquele detalhe que fará toda a diferença em sua própria obra, ou que te dará uma ideia original na qual trabalhar. Um exemplo pessoal: a personagem principal do romance no qual estou trabalhando atualmente sofre de um distúrbio psíquico do qual ouvi falar por acaso num livro sobre pintura.

{ 5 } Que a inspiração existe.

Te falaram em inspiração e, sim, ela de fato existe. É quando você tem uma ideia e ela vem completa, sem lacunas, ou quase isso. É a epifania, a ideia para um personagem genial, aquele momento em que você senta para escrever (se é que você não escreve em pé, como dizem que o Victor Hugo fazia) e seu trabalho deixa de ser o de um escritor e passa a ser tão somente o de um digitador. É quando a fonte jorra, é quando Calíope dita tudo em seu ouvidinho peludo, e é maravilhoso.

A péssima notícia é que esses momentos são raros e isso nem sempre acontece.

{ 6 } Que você pode trabalhar mesmo não estando inspirado.

A boa notícia, contudo, é que você pode trabalhar mesmo não estando inspirado. E você aprende isso, e se você insiste e trabalha no texto mesmo não estando inspirado, isso quem me ensinou foi o Neil Gaiman, chegará o dia em que você relerá algo que você escreveu e não saberá identificar se ao escrever aquele trecho específico você se encontrava inspirado ou apenas disposto a trabalhar bastante.

{ 7 } A suportar, e até mesmo amar, a solidão.

A solidão é a conditio sine qua non do ofício do escritor. Traduzindo, é a condição sem a qual o escritor não pode ser. É necessário, portanto, aprender a aceitá-la, a conviver com ela e até mesmo a amá-la. Eu aprendi a amar a minha, e aprendi que sem ela todo esforço para escrever seria inútil.

Talvez o talento de um escritor “em potencial” possa ser identificado, pelo menos num primeiro momento, por sua tendência natural ao isolamento, introspecção, esse tipo de coisa. É uma ideia que precisa ser melhor desenvolvida, claro, mas todo escritor que já conheci é, antes de qualquer coisa, um solitário — mesmo que sua solidão seja aquela que só consegue existir entre multidões.

Bônus: a me interessar por tudo

Como sou o tipo de pessoa que sempre faz mais do que lhe pedem, devo acrescentar um bônus e dizer que a lição mais importante que aprendi com o ofício foi a me interessar por tudo. Essa capacidade tem sido — enquanto leio, enquanto vejo um filme, ouço uma música ou simplesmente existo —, vale dizer, a maior de todas as fontes de ideias (e não de inspiração, que vem sabe lá de que combinação química). O escritor não pode se dar ao luxo de ser como Sherlock Holmes e preencher o seu sótão com bolas apenas (ver Um estudo em vermelho).

Roberto Denser é escritor paraibano radicado na cidade do Rio de Janeiro. Ex-estudante de Letras e bacharel em Direito, trabalhou como ajudante de açougueiro, vendedor ambulante de sandálias magnéticas, professor de português substituto, agente censitário e jornalista freelancer. Publicou o livro A Orquestra dos Corações Solitários, onde reúne contos sobre a solidão inspirados nas músicas dos Beatles, além de contos em jornais, revistas e antologias. Site oficial.

Contribuição originalmente publicada no site Escriba Encapuzado

2 thoughts on “Roberto Denser

  1. Cada escritor tem a sua ‘pedra de toque’, aquela forma única e particular de escrever suas ‘coisas’, eu ainda estou tentando encontrar a minha pedra, mas devo dizer que esses toques (ou dicas, ou conselhos ou o que quer que seja) são bem valiosos.

    Por exemplo, essa história de que não saber ouvir trava a escrita é bem verdadeira… Percebo que há livros por aí até bonzinhos, mas péssimos quando se trata dos diálogos. A incapacidade de criar boas ‘conversas’ destrói todo o fundamento da narrativa (que quase sempre deu tanto trabalho para se construir, não é?).

    Penso que criar diálogos que não destoem da história toda e que sejam complementos que enriqueçam a trama, requer um talento extra do autor que se importa, de fato, com o que está escrevendo (alguns não se importam, mas isso é outra história).

    1. Escrever diálogos é mesmo um baita desafio. Também já tive contatos com livros com boa premissa, bom desenvolvimento, mas que perdem o viço diante de diálogos inverossímeis, tolos, mal construídos.

      Espero ver mais comentários valiosos como o seu por aqui, Ana. 😉

      Abraço.

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