Marcos Peres

{ 1 } A primeira coisa que aprendi com a escrita foi a ler melhor.

Coloco tal fato como norte topológico dos demais justamente pela importância. Primeiro, ressalto o vetor, em sentido oposto. É clichê (e verdadeiro) afirmar que a leitura faz o escritor, mas não que o escritor faz o leitor. Mudo causa e consequência e afirmo que, cada vez que abro um bom livro, hoje, penso estar diante de um mestre e de boas lições. A Barca dos Homens de Autran Dourado, apenas para citar um exemplo, hoje, não é apenas uma grande estória, mas um intensivo de como proceder um bom monólogo interior, de como utilizar o fluxo de consciência.

Alterando a teleologia dos fatos, digo que, sendo um escritor, certamente, tornei-me um leitor mais atento, mais crítico. E, assim, voltamos à leitura, centro de tudo, premissa não só do bom escritor, mas do bom cidadão. Ler é pensar que, por sua vez, é duvidar, criticar, e outros tantos verbos que desembocam no cartesiano existir.

Do fato de melhorar minha leitura, portanto, poderia arrolar dezenas de fatos que aprendi. Deixo-os de colocar porque, apesar de consequências diretas da leitura – que coloco aqui como consequência da escrita – não seriam didáticos ou palpáveis ou oportunos para o fim que aqui escrevo. Apenas para exemplificar, poderia dizer que aprendi a jogar futebol melhor.

Sim!, com a labuta da escrita, percebi que deveria ler com mais atenção. E, ao interpretar um livro, melhorei meu raciocínio e, consequentemente, a destreza e a velocidade de minhas escolhas. E, em uma cancha de futebol, com a bola nos pés, certamente executo com mais rapidez e confiança a escolha entre: a. dar um passe em profundidade; b. driblar o zagueiro e chutar para o gol ou; c. tocar de lado e deixar que alguém resolva a porra toda.

Melhorei no futebol, afirmo, mas, obviamente, há limites, que são: minha habilidade com a bola, minha condição física precária etc. Obviamente, o Neymar não é o Neymar porque leu Cervantes. O que citei foi apenas exemplificativo de algo que evolui: ler um livro auxilia na indagação e na compreensão, melhora não apenas a compreensão de uma história fictícia, mas sim a própria leitura do mundo.

{ 2 } Aprendi a exercitar a paciência e a tolerância.

Escrever algo não significa, necessariamente, esperar elogios das pessoas que me são queridas. O fato de alguém gostar de mim é totalmente alheio ao fato da pessoa gostar da minha escrita. Da mesma maneira que tenho amigos cabelereiros e, não apenas por isso, sou obrigado a cortar meu cabelo com eles.

{ 3 } Aprendi que escrever é um fim e não um meio.

Escrever (não é uma teoria geral da escrita, digo apenas de como as coisas se dão no meu caso) é uma terapia, uma maneira de queimar meus demônios, de exorcizar meus fantasmas. Ao escrever, destilo anseios, mágoas, paixões e outros subjetivismos, e isso me basta. As consequências – o leitor, a crítica, a venda de um livro, um elogio de uma pessoa que desconheço – são fantásticas. Mas, mesmo que não existissem, existiria o escritor que aqui vos escreve.

{ 4 } Aprendi que a dura crítica não me faz menor, da mesma maneira que o elogio exacerbado não me faz melhor.

Fato este que se desdobra do anterior. Com a pluralidade de gostos e interpretações, há que se aprender a respeitá-las, mesmo que, nas redes sociais, você se metamorfoseie de gênio a boçal em poucos segundos. Acredito que a convicção em si mesmo, em sua escrita e na função da sua escrita (que citei na premissa anterior) auxiliam a encarar com tolerância – não apenas os vales dos impropérios e das críticas, mas também o pico dos elogios desmesurados.

{ 5 } Aprendi que há inspiração, sim!

Inspiração não palpável, não descritível, feita e desfeita em átimos de segundos, não programados, aquele curto espaço de tempo em que se tem aquela ideia e, em seguida, você se pega balbuciando, na fila do banco, no meio do sexo, na final da Copa do Mundo ou enquanto se toma o maior esporro do chefe: que ideia genial!

E, além da inspiração (que, sim, há!), há também a transpiração, que desmistifica a labuta da escrita como algo diferente das demais tarefas e desmistifica o escritor como um ser iluminado por um halo e que, não mais que de repente, tem uma obra pronta em suas mãos, como em um passe de mágica.

Ajuda a compreender que fazer literatura exige paciência, determinação, coragem, foco e todos os adjetivos necessários para qualquer outra profissão. Em síntese, costumo repetir que: escritores feitos só de inspiração não têm livros. E escritores feitos só de transpiração não têm alma. E os dois são perigosos.

{ 6 } Aprendi que pouquíssimas vezes, quase inexistentes, a coisa se resume ao 8 ou ao 80.

Ou é o que procuro aprender; ou procuro relembrar sempre que aprendi e colocar em prática. Como citei na premissa anterior, ao contrário do que muitos pensam, acredito que inspiração e transpiração coexistem. Na filosofia, na política, no cotidiano, os argumentos ortodoxos, pra um lado e pro outro, continuam a ser debatidos.

Aristotélicos e platônicos, epicuristas e estoicos, formalistas e materialistas, uns dizem 8, outros 80, citando o erro de uns e outros, sendo que, talvez, a resposta esteja entre ele, em um tertium genus, uma terceira via, que corrige o que cada um errou ao mesmo tempo em que destaca seus acertos.

Aprendi, portanto, que a ortodoxia normalmente é enganosa, ideologicamente bela, e que sempre há que se respeitar e ouvir a posição contrária (o que não deixa de ser o exercício da tolerância, que já citei no item 2).

{ 7 } Aprendi que uma vida não é suficiente para ler o que quero.

Que uma vida não me basta para ser tolerante com os adjetivos que recebo. Uma vida não é grande o suficiente para estancar minha vontade de escrever, como fim, e não como meio para dinheiro, fama ou status. Que uma vida é pouco para, em momentos oportunos e inoportunos, receber o invisível (para os demais) halo da inspiração e depois, no lusco fusco do cotidiano, transformar-me em um maratonista, que transpira e transpira e transpira. Que uma vida não abarca todas as discussões, do 8 ao 80, e de todas as muitas vezes que me equivoquei e que me equivocarei. Que, enfim, uma vida não é o suficiente. Graças a Deus. E que assim seja.

Marcos Peres nasceu em Maringá e viveu sua infância em Astorga/PR. É graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Atualmente, é servidor do Tribunal de Justiça do Paraná. É um dos autores do Projeto Contos Maringaenses que reuniu jovens escritores locais e que resultou no livro homônimo. Venceu o Prêmio SESC de Literatura 2012/2013 e também do Prêmio São Paulo de Literatura 2014 com o romance O Evangelho segundo Hitler. Em 2015, seu segundo romance será publicado pela Editora Record.

Contribuição originalmente publicada no site Escriba Encapuzado

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