João Vereza

{ 1 } Meu texto não é meu.

Se escrevo a palavra “vermelho”. Vermelho para mim é uma cor e eu a vejo de um jeito, que pode não ser necessariamente o jeito que o outro vê. Se escrevo a palavra “vermelho” estou evocando sentimentos que podem, ou não, encontrar espelho no leitor. É neste “ou não” que a literatura reside. Existe uma distância gigantesca entre o que você escreve e o que o leitor lê. E se o leitor for daltônico, se o leitor for comunista, se o leitor for gremista, como fica o meu “vermelho”? Tenho textos que vejo como prosa mas, só por ter uma diagramação mais arejada, chamam de poesia. O escritor não é nem nunca será soberano. Por isso, não se esforce tanto. Relaxe e deixe rolar.

O único momento íntimo que você terá com o texto é quando o está escrevendo. Aproveite. Não pense no que vão pensar, não pense se vai conseguir publicar ou se o texto fará sucesso. Não pense nem no que você está pensando. Aprendi que o que faço é maior do que eu. Então, tire o ego da jogada e deixe a porteira aberta. Sua literatura vai amadurecer e crescer livre. Vai encontrar o leitor, os dois terão uma relação independente e a você só cabe segurar a vela.

{ 2 } O valor do leitor.

Pode não ser o colunista do New York Times. Pode não ser o seu escritor favorito, o cara que te fez decidir escrever. Pode não ser o professor doutor, o papa em teoria literária da América Latina, que vai te aplaudir de pé e mostrar novos caminhos. Pode não ser o blogueiro mais quente, que fala dos escritores mais quentes e divulga os livros que nem um rastro de pólvora. Pode não ser o editor em ascensão que se apaixona pela sua literatura e propõe na hora um contrato para mais 6 livros.

Pode não ser aquele leitor profissional, que devora literatura como arroz com feijão, e encontra diálogos entre a sua obra e a vanguarda neoclássica coreana. Pode não ser o agente que vai te pegar pela mão e levar pelas feiras literárias do mundo. Mas é um leitor, essa entidade distante e querida. Escrever é comunicação e a ligação só se completa quando alguém atende do outro lado. Quando você escreve, pode muito bem não saber para quem está escrevendo. Mas não duvide: o leitor sempre olha o escritor no olho. Aprendi que cada leitor é absoluta e infinitamente importante. E sou completamente agradecido por cada folheada.

{ 3 } A única maneira de aumentar a fogueira é jogando mais madeira.

Existe toda essa discussão de qual deve ser postura do escritor contemporâneo. Se deve ir a feiras e eventos. Se deve ter um blog, escrever artigos e se manter ativo nas redes sociais. Se deve ter um agente, se deve se autopublicar, se deve focar nos prêmios, se deve estar entre as grande editoras ou as menores e mais ousadas, sem falar nos e-books. Vender o livro lá pra fora, transformar a história em cinema, fazer um reality show, grudar páginas pela cidade como lambe-lambe. Se deve estar nas festas, lançamentos e holofotes para ir circulando e circulando e circulando.

Tudo isso é ótimo e, claramente, uma escolha de cada um. O que não pode ser esquecido é a razão e o insumo disso tudo: a escrita. Aprendi que uma nova crônica, um novo conto, um novo capítulo para o romance sempre vão ter mais valor do que mais uma entrevista. Leitores se conquista escrevendo.

{ 4 } Tenho uma voz e ela é minha.

“Olhe dentro de você.” “Escute o seu coração.” “Quando você não sabe onde quer chegar, todos os caminhos estão errados.” Encontrar sua voz é um mergulho nos clichês. Não falo do mito da originalidade – originalidade não existe; tudo é releitura, mesmo as milenares pinturas rupestres eram representações de caçadas e animais, enfim, algo que já existia. Falo de encontrar seu espaço e fincar sua bandeira. Pode ser um latifúndio, pode ser uma quitinete, mas é seu. É a sua pegada, o seu olhar, a maneira que junta umas palavras nas outras, com seus tiques e seus cacos, os personagens que você elege e as escolhas que as histórias propõem.

Quanto mais para dentro você for, mais sua literatura, com o perdão do eufemismo, salta para fora. Não tente reinventar a roda. Procure fazer da roda a sua. Van Gogh pintava girassóis, essa flor que está aí há milhões de anos. Mas ele se apropriou deles de tal forma que ninguém nunca mais verá um girassol sem lembrar-se dos quadros. Aprendi que escrever é subir num palanque de praça e o que faz as pessoas pararem para escutar é a convicção e a atitude na sua fala. Como disse Johnny Ramone: você não precisa ser bom, só precisa ir lá e fazer.

{ 5 } Palavras não têm fim e nunca serão o bastante.

Aprendi que escritor trabalha com a palavra. Trama, enredo, história, personagens, tempo, cenário, narrativa, estilos literários; esquece, não é nada disso. Literatura se absorve com a audição e palavra é a matéria prima, o átomo do processo, soma de som e significado. O universo num grão de areia. Ouvi isso pela primeira vez do Paulo Coelho, e fiquei felicíssimo em saber que ele ouviu isso de outro lugar. O universo num grão de areia, ou seja, toda a sua literatura deve aparecer comprimida em cada palavra que você imprime. É intenso, é desgastante, é dificílimo. Por isso que os excessos e as firulas são notados a milhas de distância.

Pra aumentar o nível das referências, Clarice Lispector dizia que palavra é isca para puxar palavra. Porque palavra é uma abstração, mera convenção para tentar comunicar algo maior. Pra mim, dicionários são o baú do tesouro. Sempre que posso, escrevo com este Dicionário Criativo aberto. Por respeito total à palavra, andando que nem criança numa loja labiríntica de doces.

{ 6 } Minha estante é o cofre dos meus roubos.

Roube. Roube muito. Roube a toda hora, sem escrúpulos e sem remorso. Repito: originalidade não existe e é uma busca de tolos. O original não está no quê e sim no como. Somos todos uma usina de processamento de informação. Como escritores, absorvermos referência a cada minuto e devolvemos como produção literária. Por isso, mantenha sempre a sua estante interna bem nutrida. Mas não dentro desses conceitos simplórios de bom ou ruim. Qualidade é um termo que até hoje ninguém consegue definir. Pense simplesmente se aquilo interessa ou não, se aquilo tem valor pessoal para ser utilizado de alguma forma.

Insisto: a originalidade está na ligação que você faz entre os pontos. Literatura é uma corrida de revezamento que começou há milênios. Muito da obra de Shakespeare veio de tradição oral, assim como Homero. Meu livro Noveleletas não existiria se não tivesse existido Raduan Nassar, Raduan Nassar não existiria se não tivesse existido Almeida Faria e por aí vai. Aprendi que minha estante é minha árvore genealógica. E como é bom ouvir histórias de família.

{ 7 } Isso nunca vai terminar.

Sempre haverá mais uma frase, mais uma ideia, mais um projeto, mais uma história para contar. Nunca haverá paz e a sensação do dever cumprido. O cursor do Word está sempre piscando, pedindo mais e mais. Até hoje nunca deitei a cabeça satisfeito e acredito que jamais deitarei. Aprendi que é assim e não tem jeito. Se você souber como encontrar esse sossego, por todo o favor, nos ensine.

João Vereza, 35 anos, é carioca e mora em São Paulo desde 2006. Redator publicitário e baterista de garage. Vencedor do Prêmio SESC 2012/2013, com o livro de contos Noveleletas, publicado pela Record e finalista do Prêmio Jabuti 2014. Participou, recentemente, da coletânea Não é só por Vinte Contos disponibilizada gratuitamente no Skoob.

Contribuição originalmente publicada no site Escriba Encapuzado

3 thoughts on “João Vereza

  1. Acredite: foi muito bom te conhecer, ler o que postou; só falta ler teu livro. Isso farei logo, logo. Um abraço!

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