Maurício de Almeida

{ 1 } É preciso ter paciência.

Muito mais do que um fato ou um ato, literatura é adentrar um processo. Entre uma ideia e um livro finalizado existe uma vida inteira a ser vivida, com todos os seus prazeres, percalços, dificuldades e alegrias. E como todo processo, é preciso aceitá-lo. Portanto, tenha paciência. Algumas vezes a coisa insistirá lenta e pedregosa, incitará a raiva e convidará à desistência. Tenha paciência – e insista.

{ 2 } É extremamente difícil ter paciência.

A ideia que incita (a coceira do Cortázar) muitas vezes é urgente. Tão urgente que parece que os dedos não têm a agilidade necessária para digitar as palavras, como se a última frase do livro estivesse ainda muito, muito distante. É nesse momento (dentre tantos outros) que a ansiedade ataca – e a vontade de chegar ao fim do processo sugere queimar etapas. Não queime etapas. Todas elas são necessárias ao exercício da literatura e ao crescimento do autor enquanto autor.

{ 3 } Mas é realmente preciso ter paciência.

Reincido na paciência, pois, na luta por ela, a tentação de recorrer a subterfúgios é imensa. Por vezes é uma angústia perceber que o texto não anda, que as ideias descarrilham, que tudo trava. Por outras vezes é uma angústia saber exatamente o que se quer fazer, mas não conseguir colocar isso no papel. Por outras vezes ainda é uma urgência tão grande que outros elementos que devem ser considerados nesse processo (autocrítica, por exemplo) são sumariamente abandonados para que o objetivo seja alcançado a qualquer custo.

Cada um faz o que quer como bem entender, mas, se feito às pressas ou em subterfúgios, a chance de que o trabalho seja deficiente ou (e sobretudo) que não corresponda àquela ideia que o motivou é muito grande. Portanto, por mais que se queria acabar rápido, tenha paciência: existe uma grande diferença entre digitar e escrever.

{ 4 } Paciência tem limite.

Se tudo insistir em não dar certo e a paciência acabar, recorra a quem entende do assunto; como expôs Paul Auster, por exemplo:

Fico trabalhando num parágrafo até me sentir razoavelmente satisfeito com ele, escrevendo-o e reescrevendo-o até encontrar a forma exata, o equilíbrio exato, a música exata – até que pareça transparente e espontâneo, e não mais algo que foi “escrito”. Pode levar um dia, metade de um dia, uma hora ou três dias.

Para além de um alento saber que a coisa acontece de forma parecida para todos, é importante recorrer a essas figuras, pois eles já passaram por isso e elaboraram suas estratégias de superar momentos de crise. No geral, escrever não está em absoluto vinculado a qualquer ideia de dom ou inspiração. É trabalho e como tal exige esforço, dedicação e um tanto de coragem. Por fim, escrever é sempre um aprendizado. Então, importante lembrar que, para desconstruir algo, é preciso antes saber construi-lo.

{ 5 } Paciência não é tudo, mas quase.

E me refiro não só ao processo de escrita, mas ao processo como um todo. Escrever, reescrever, revisar, publicar. Por razões diversas, todo processo que envolve escrever/publicar não é tão rápido quanto gostaríamos. Em alguns momentos isso gera uma angústia sem limite: preciso terminar o texto; encaminhei à editora e eles não respondem; eles responderam e o livro sairá só ano que vem.

Pois se tenho aprendido alguma coisa nesse meu envolvimento com a literatura é entender que tudo tem seu ritmo e que quase nada corresponde ao meu ritmo. Adianta brigar, xingar, se debater? Nem um pouco. O que aprendi a fazer nesses momentos é: escrever. Faulkner escreveu O som e a fúria em resposta à raiva que sentia pela recepção morna de seus livros anteriores.

{ 6 } Tenha um pouco mais de paciência.

O conto não ficou legal, a editora recusou seus originais? Sobretudo nesses momentos de rejeição, é preciso ponderar sincera e seriamente o que houve. Não se considere infalível perfeito, não seja orgulhoso. Não quero dizer também que seja subserviente.

Sugiro apenas que leve a sério o trabalho de escrita e, nessas situações de negativas (que acontecerão, não tenha dúvida), reveja suas estratégias, colha opiniões que você sabe sinceras e produtivas (desconsidere críticas destrutivas, que acontecerão, e análise seriamente as críticas construtivas) e retrabalhe. O trabalho de reescrita e revisão é fundamental.

{ 7 } Paciência, ainda.

Eis que seu conto foi publicado naquela antologia bacana, a editora publicou seu livro. Creio haver uma espécie de processo de “jornalistização” do fazer literário. Em vez de investir no livro, os autores (numa ânsia deles mesmos ou incitados por certo viés de mercado) partem imediatamente para o próximo livro, em resposta a uma necessidade constante de criar manchete, ser notícia.

É necessário manter a produção em movimento, sim, mas invista no livro lançado, faça-o crescer, prosperar. Todos nós temos ao menos 3 livros em mente e ansiosos para colocá-los no papel, vê-los na rua. Mas antes de reiniciar a batalha e partir para uma nova empreitada, invista naquele livro que já está pronto e lançado, fale sobre ele, faça-o chegar aos leitores. Afinal, o trabalho demandou tanto, por que a pressa em superá-lo?

Maurício de Almeida. Campinas, 1982. É autor de Beijando dentes (Record, 2008), livro vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2007 na categoria contos. Participou das coletâneas Como se não houvesse amanhã (Record, 2010), O Livro Branco (Record, 2012) e da quarta edição da Machado de Assis Magazine (seu conto “Duelo” foi traduzido para o espanhol), dentre outras publicações. Escreve também para teatro e cinema. Site oficial.

Contribuição originalmente publicada no site Escriba Encapuzado

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