O que escrevi abaixo não é estanque. Não é um receituário ou um manual. Portanto, aqui cabe o gerúndio: sete coisas que estou aprendendo enquanto escritor.
{ 1 } É perigoso usar alguns verbos no passado.
A literatura me ensina constantemente que não existe um manual ou um receituário para viver. Me ensina que, muito mais do que uma corrida de cem metros, a vida é uma dança: é possível aprender os passos, mas não há um caminho pré-estabelecido ou um objetivo estanque. Não por acaso Nietzsche valorizava tanto a metáfora. Para ele (e eu concordo), a vida só se justifica como fenômeno estético. O ser humano, ao mesmo tempo, como artista e obra de arte. A vida como um romance de final aberto.
{ 2 } Realidade é a imaginação de terno e gravata.
Certa vez, Albert Camus escreveu que quem quisesse ser filósofo, deveria escrever romances. Concordo. A arte, sobretudo a literatura, é uma das maneiras mais viscerais de tocar na condição humana. Ela é mais verdadeira que a ciência e a religião, justamente porque assume seu caráter de não verdade. Escrever ficção é uma grande brincadeira.
Brincar com as palavras, na acepção mais profunda do termo brincadeira: é criar, com elas, imagens que suscitem no leitor sensações (não necessariamente agradáveis) e reflexões. Justamente por isso, a literatura é antidogmática. A todo instante, ela sugere que não sejamos maniqueístas. Neste sentido, a criação estética me auxiliou a enxergar que são borradas as fronteiras entre verdade e mentira, certo e errado, justo e injusto.
{ 3 } São fundamentais persistência e paciência.
Muitas vezes é aterrorizante a folha em branco. Muitas vezes aquele parágrafo não sai do lugar por horas, dias. Muitas vezes o desfecho do conto (ou do romance) parece escondido num poço profundo. Aí aprendi a dar espaço pra mim mesmo. A dar um tempo. A pensar em coisas extraliterárias. E a reler literatura, os mestres (sobretudo Guimarães Rosa, Machado e Clarice).
Além disso, mais importante do que escrever é reescrever: cortar, lapidar, alterar. Jogar tudo fora e recomeçar do zero. Aí entra a persistência. É preciso aceitar que raramente a frase exata aparece de primeira.
{ 4 } Eu sou outros: alteridade e empatia.
Escrever ficção é se colocar no lugar do outro. Tanto no lugar da personagem, quanto no lugar do leitor (com isso, não quero dizer que escrevo para um público a priori). Óbvio que não significa que ser escritor te deixa mais solidário ou altruísta. Significa que, no meu caso, específico, escrever abriu possibilidades para que eu expandisse minha visão sobre o outro. E sobre o mundo.
{ 5 } As críticas e elogios devem ser digeridos calmamente.
Quando recebi a primeira resenha negativa, fiquei arrasado. Entrava no site a todo instante para ver se havia algum comentário, quantas pessoas tinham lido e tal. Depois, aos poucos, fui percebendo que as críticas são motores para próximas criações. Do outro lado, aprendi também a não sucumbir à vaidade que os elogios podem fomentar. O excesso de vaidade pode cegar o escritor para seus pontos fracos e fazer dele um Aquiles das palavras.
{ 6 } É preciso ler mais e melhor.
Um dos pressupostos para escrever bem é ler. Ler muito. Mas, quando comecei a escrever de modo mais intenso e frequente, minha leitura ficou mais sofisticada. Escrever me ajudou a ler melhor nas entrelinhas, a perfurar as camadas mais profundas tanto dos textos como do mundo.
{ 7 } Inspiração só se for para depois expirar. E tossir.
Certa vez, o músico Soraste afirmou: “Durante 27 anos pratiquei 14 horas por dia e, agora que cheguei nesse estágio, chamam-me de gênio”. Inspiração, nos moldes que a tradição cunhou, não existe. Existe, sim, talento. E este só se atualiza com exercício, com prática. Se ficar à espera do sopro divino, da inspiração das musas (herdada da filosofia platônica e, sobretudo do Romantismo) o sujeito será para sempre um futuro escritor.
Matheus Arcaro nasceu em 1984 em Ribeirão Preto-SP, onde vive atualmente. É mestrando em Filosofia Contemporânea, pós-graduado em História da Arte e graduado em Filosofia e também em Comunicação Social. Autor do livro de contos Violeta velha e outras flores (Patuá, 2014) e do romance O lado imóvel do tempo (Patuá, 2016). Além de escritor, é professor de Filosofia, palestrante e artista plástico. Site oficial.
Contribuição originalmente publicada no site Escriba Encapuzado