Anderson Henrique

{ 1 } Não convide o bloqueio criativo para um café.

O bloqueio criativo é algo recorrente. Uma hora ele chega. Não tem jeito. Mas não é porque ele apareceu que você precisa convidá-lo para um café. Algumas técnicas podem auxiliar nesses momentos. Uma delas é gritar por socorro. E o melhor é que você não precisa incomodar ninguém pra isso.

Vamos a um exemplo: você está escrevendo uma distopia e travou em uma cena. Trinta minutos se passaram e você ainda está no primeiro parágrafo. Pare e dê uma olhada em sua biblioteca. Há alguma obra disponível que se relacione com que você está tentando escrever? Lembre-se: é uma distopia. Será que você não tem um Farenheit 451 na terceira prateleira? Olha ali, sexto livro da esquerda para a direita, bem ao lado de A estrada, não é o 1984 do Orwell?

Caminhe lentamente até esses livros. Coloque o teclado de lado e procure por passagens similares à que você está tentando produzir. Isso mesmo: pare de escrever e comece a ler. Você poderá analisar o que esses autores fizeram e como resolveram seus próprios bloqueios (não se engane, estes gênios também sofreram como você).

Analise as semelhanças e as diferenças entre essas obras. Veja como estes trechos se relacionam com a sua produção. Compare, pesquise, analise. Ao terminar, você notará a porta aberta e uma xícara de café esfriando sobre a mesa. O bloqueio foi embora e nem se despediu

{ 2 } Rabisque seus livros.

Os livros lidos por um escritor não devem passar impunes. Sim, rabisque seus livros. Por mais que possa parecer uma heresia, essa é uma atitude positiva. Faça marcações e brigue com o autor. Reclame dos deslizes e destaque os pontos positivos. Só tome cuidado para não rabiscar um livro emprestado! Se você costuma ler e-books, melhor ainda. Todos os leitores eletrônicos possuem recursos para destacar trechos, catalogar marcações e fazer anotações. Acabou de ler uma passagem foda? Pegue um lápis e sublinhe tudo.

Faça uma espécie de guia de referências nas últimas páginas. Depois junte tudo em um lugar só, categorizando. Eu costumo dividir por temas. Noutro dia eu estava precisando de algo que falasse sobre contos e literatura para colocar em um artigo. Veja o que encontrei em minhas anotações:

“Um conto não é mais que uma mentira. Uma ilusão. Essa ilusão só funciona se confiarmos nela. Da mesma forma que os truques de um mágico nos impressionam mesmo sabendo que são só truques. O coelho não desapareceu. A mulher não foi serrada em dois. Mas acreditamos. É uma ilusão verdadeira. A literatura, escreveu Platão, é um engano em que quem engana é mais honesto que quem não engana, e quem se deixa enganar é mais inteligente que quem não se deixar enganar.”

Não é um parágrafo fantástico? E sabe o que é melhor? Encontrei essa pérola em poucos minutos, graças à catalogação que faço durante minhas leituras. Ah, o trecho destacado é de Eduardo Halfon e está no livro O boxeador Polaco. A recomendação fica por minha conta. O cara é fera.

{ 3 } O primeiro parágrafo é fundamental.

Você provavelmente já ouviu (leu!) a afirmação acima. E ela continua valendo. O primeiro parágrafo ainda é imprescindível. Se você for escritor de formas mais breves como contos ou crônicas, o território é ainda mais restrito: a primeira frase tem que ser um soco no estômago.

Faça mágica com poucas palavras. O escritor precisa agarrar o leitor pelas entranhas e soltar apenas quando tiver certeza de que ele não vai embora. Para fazer isso, nada melhor do que começar com impacto. O começo do seu texto é morno e tem apenas descrições? Inverta a ordem. Comece pelo clímax, interrompa-o e depois retorne. Um leitor seduzido de partida dificilmente abandonará a leitura

{ 4 } Faça mais com menos.

Em tempos de redes sociais limitadas a 140 caracteres nós já deveríamos ter aprendido: menos é mais. Pense: é relevante para a história que seu personagem tenha um nome? É necessário detalhar a íris de todos as pessoas que participam da cena? Todo mundo já esteve em uma agência bancária pelo menos uma vez na vida, certo? Tudo bem, nem todo mundo. Mas é imprescindível listar a quantidade de caixas disponíveis, quantas pessoas aguardam na fila e se há anúncios de títulos de capitalização? Talvez não.

Faça apenas se for fundamental para a história. A folha em branco é a cozinha do escritor. Temos muitos ingredientes à disposição, mas é preciso selecioná-los bem e dosar. Se a receita exige apenas 200g de açúcar, não vamos despejar na panela os dois quilos que estão no pote, certo?

{ 5 } Leia como Sherlock.

Esta lição possui uma conectividade direta com a nº2. Um escritor não pode encarar um livro como um leitor comum. O enredo e o desenrolar da trama não são suficientes. O escritor precisa ler como Sherlock, enxergando além do texto e atento aos detalhes. Você deve perceber porque o autor optou por usar a voz ativa no lugar da passiva, saber porque há um flashback e porque o livro ocorre em ordem não-cronológica.

O escritor deve conhecer os elementos e recursos de um texto e compreendê-los. Às vezes não é tão fácil se desligar da trama para observar tais moléculas. Para esses casos, sugiro a releitura. Leia uma vez como leitor e a segunda vez como escritor. Revelados os mistérios, tramas e reviravoltas, você estará livre para se aventurar pelas entranhas do texto. Sabe aquele conselho que recebemos logo quando crianças que diz obrigação primeiro, diversão depois? Inverta essa premissa. Primeiro leia se divertindo, depois releia pelo ofício.

{ 6 } Todo texto cega seu autor.

Todo texto deixa seu autor completamente cego após algumas passadas. Isso significa que você não poderá, em hipótese alguma, ser o revisor de seu texto. É obrigatório reler umas duzentas mil vezes antes de passar para as mãos de alguém, mas a cada passada você perderá um percentual da visão até abraçar a total cegueira. É chato depender de outra pessoa, mas não tem jeito. Uma revisão profissional deixará seu texto redondo. Leituras críticas também são altamente recomendadas e leitores-beta são fundamentais.

{ 7 } Descarte tudo o que você já leu até aqui.

Escrever não é apenas um jogo de imitação. É também uma arte de ruptura. Descarte, portanto, toda e qualquer regra ou premissa, inclusive as que estão acima. Cada escritor tem seu caminho, sua maneira de fazer as coisas. Não há fórmulas, mas existem padrões. E agora que você sabe que pode desconsiderar tudo o que leu, um aviso: rupturas propositais são bem mais interessantes.

Anderson Henrique nasceu no Rio de Janeiro, Capital, em 1982. É formado em Letras – Literaturas de Língua Portuguesa. Alguns de seus textos foram premiados em concursos literários nacionais. Publicou nos livros Dramas Urbanos, pela editora Monte Castelo, Dimensões.br pela editora Andross, Grimoire dos Vampiros e Ufo – Contos não identificados pela editora Literata. Anelisa Sangrava Flores é seu primeiro livro solo. Site oficial.

Contribuição originalmente publicada no site Escriba Encapuzado

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